“O amor, quando nasce, é um sopro livre. Mas ao se prolongar no tempo, ganha o peso das escolhas jurídicas. Casar ou não casar? Conviver ou formalizar? O afeto pode ser espontâneo, mas seus efeitos patrimoniais jamais o são.” – Brando, Guilherme Martinelli.
Na vida afetiva, muitos vivem como se o amor bastasse. Mas o Direito, com sua natureza pragmática e sua vocação para prevenir conflitos, nos lembra que todo vínculo traz consigo uma moldura jurídica — mesmo quando ela é invisível aos olhos do casal.
União estável e casamento não são apenas formas diferentes de amar; são regimes distintos de convivência com consequências jurídicas concretas, sobretudo patrimoniais. E o maior risco não está em escolher mal, mas em não escolher conscientemente.
No Brasil, a legislação reconhece ambas as formas como entidades familiares protegidas pela Constituição Federal, conforme o art. 226. O casamento e o núcleo familiar estão regulamentados entre os arts. 1.511 e 1.783 do Código Civil; já a união estável, nos artigos 1.723 a 1.727.
O problema é que, muitas vezes, casais vivem como se estivessem “apenas namorando”, sem perceber que a vida em comum, com publicidade e estabilidade, pode configurar uma união estável com efeitos patrimoniais plenos — inclusive direito à meação e à herança.
1 | O Mito da Liberdade Informal
Muitos casais optam por não se casar formalmente acreditando, equivocadamente, que estão fora do alcance da lei. A convivência se estabelece, os bens se multiplicam, os filhos nascem e o tempo passa.
Só que no campo jurídico, a ausência de certidão não significa ausência de efeitos. A união estável dispensa solenidade. Basta que a convivência seja pública, contínua, duradoura e com intenção de constituir família para que a lei a reconheça — e aplique sobre ela os mesmos efeitos do casamento sob o regime de comunhão parcial de bens, conforme o art. 1.725 do Código Civil.
Assim, todos os bens adquiridos durante a convivência passam a ser presumidamente comuns, ainda que estejam apenas no nome de um dos companheiros. O carro comprado, a casa financiada, a empresa construída — tudo pode ser partilhado, mesmo sem casamento formal.
2 | Casamento: a forma solene da união e do patrimônio
O casamento exige um rito formal: habilitação, celebração e registro civil. Ao contrário da união estável não documentada, permite a escolha de qualquer regime de bens, desde que por pacto antenupcial lavrado em escritura pública antes da celebração, conforme o art. 1.639, §1º do Código Civil.
Caso o casal não firme pacto, aplica-se automaticamente o regime da comunhão parcial de bens — que considera comuns todos os bens adquiridos onerosamente durante o casamento, mesmo que em nome de apenas um dos cônjuges.
Além disso, o casamento estabelece deveres expressos: fidelidade, coabitação, assistência mútua e respeito (art. 1.566 do Código Civil). Esses deveres também se aplicam à união estável, mas sua formalização no casamento costuma trazer mais segurança jurídica — inclusive sucessória e previdenciária.
3 | E o contrato de namoro? Um rascunho sem garantias
Para aqueles que desejam viver um relacionamento sério sem os efeitos da união estável, surgiu o chamado “contrato de namoro”. Ele declara que a relação não tem o objetivo de constituir família — logo, não se trata de união estável.
Apesar de parecer uma solução prática, esse contrato tem eficácia limitada, pois o que define a união estável é a realidade fática da convivência e não o nome que as partes lhe dão. Assim, mesmo havendo contrato de namoro, se a relação evoluir para uma vida em comum com características familiares, os efeitos jurídicos da união estável poderão ser reconhecidos judicialmente.
O Judiciário, em geral, valoriza a verdade da convivência acima do documento assinado.
4 | Diferenças práticas entre união estável e casamento
Embora compartilhem muitos efeitos, há diferenças práticas importantes:
- Formalização: o casamento exige cerimônia e registro; a união estável pode ser apenas tácita, embora recomendável que seja formalizada por escritura pública.
- Prova: o casamento se prova com certidão; a união estável exige demonstração da convivência, o que pode ser litigioso após a separação.
- Regime de bens: na ausência de pacto ou contrato, ambos recaem na comunhão parcial, mas apenas o casamento permite regime de separação obrigatória (em caso de maiores de 70 anos, por exemplo, conforme art. 1.641, II, do CC).
- Herança: após decisões recentes do STF e STJ, companheiros passaram a ter os mesmos direitos sucessórios dos cônjuges, mas a prova da união pode ser um entrave quando não há registro formal.
- Divórcio ou dissolução: o casamento requer divórcio para encerrar o vínculo. A união estável, se não for registrada, pode ser dissolvida por escritura pública ou judicialmente — o que frequentemente leva a discussões probatórias.
5 | Por que tudo isso importa?
Porque o Direito de Família, quando bem compreendido, é antes de tudo um exercício de previsibilidade. O afeto pode ser espontâneo, mas o patrimônio não deve ser deixado ao sabor da sorte. Famílias estruturadas, com negócios, imóveis e sucessões a zelar, precisam olhar para suas relações com o mesmo zelo com que cuidam de seus bens.
Ignorar os efeitos da relação pode resultar em:
- partilhas indesejadas;
- herdeiros inesperados;
- conflitos societários;
- e desgaste emocional e financeiro após o fim da relação.
Portanto, o que se recomenda — com sabedoria e prudência — é que os casais que optam por não se casar formalmente firmem um contrato de convivência e o registrem em cartório. Isso permite definir o regime de bens, a forma de administração do patrimônio comum e até disposições sucessórias, dentro dos limites legais.
6 | Conclusão — O Amor Como Ato de Vontade, e o Direito Como Ato de Consciência
Seja pelo casamento, seja pela união estável, toda relação duradoura gera laços visíveis e invisíveis. Laços que, se não forem reconhecidos, protegidos ou planejados, podem se converter em nós apertados, difíceis de desatar.
Planejar não é negar o amor. É ampará-lo no tempo, preservá-lo da dúvida, da mágoa e do litígio. O amor pode ser etéreo; o patrimônio, não. E no encontro entre os dois, o Direito oferece os instrumentos para que a convivência seja bela, mas também justa.