Quando duas pessoas decidem compartilhar a vida, compartilham também mais do que afetos, planos ou sobrenomes. Compartilham responsabilidades, direitos e, sobretudo, bens. E nesse entrelaçar de existências, o regime de bens surge como a engrenagem invisível que estrutura o futuro do casal — para o bem ou para o litígio.
Poucos atos na vida são tão carregados de expectativa quanto o casamento. Mas, entre a escolha das flores e do buffet, muitos negligenciam uma questão essencial: sob qual regime jurídico se dará essa união?
A resposta não é meramente burocrática. O regime de bens é o pacto silencioso que determinará o que será compartilhado, o que será preservado, o que poderá ser herdado ou partilhado. Entendê-lo é um ato de lucidez. Escolhê-lo com consciência é um ato de amor.
1 | O Que é Regime de Bens?
O regime de bens entre cônjuges é o conjunto de regras que define a administração, disposição e partilha do patrimônio durante e após o casamento. Está previsto nos arts. 1.639 a 1.688 do Código Civil brasileiro, e sua escolha deve ser feita antes do casamento, por meio de pacto antenupcial — escritura pública registrada no Cartório de Registro de Imóveis.
Na ausência do pacto, aplica-se o regime legal padrão: comunhão parcial de bens.
Abaixo, analisamos os principais regimes disponíveis na legislação brasileira, com seus efeitos e consequências práticas.
2 | Comunhão Parcial de Bens – regime legal padrão
É o regime que se aplica automaticamente quando os noivos não fazem pacto antenupcial. Nele, todos os bens adquiridos onerosamente durante o casamento são considerados comuns ao casal, independentemente de estarem no nome de um ou outro.
O que é comum:
- Bens comprados após o casamento;
- Empresas fundadas durante a união;
- Rendimentos do trabalho de cada cônjuge.
O que é particular:
- Bens adquiridos antes do casamento;
- Bens recebidos por herança ou doação (mesmo durante o casamento);
- Bens sub-rogados (comprados com recursos particulares).
É o regime mais popular, mas pode trazer consequências inesperadas para quem tem patrimônio prévio ou deseja manter autonomia patrimonial.
3 | Comunhão Universal de Bens
Neste regime, todos os bens — anteriores e posteriores ao casamento — passam a integrar um patrimônio comum. Isso inclui até heranças e doações, salvo se o doador expressamente estipular o contrário.
Trata-se de um regime de fusão total, recomendado apenas quando há absoluta confiança e ausência de disparidade patrimonial entre os cônjuges. Em famílias com empresas, herdeiros ou patrimônio preexistente, esse regime pode gerar complexidades e conflitos sucessórios.
4 | Separação Total de Bens
Aqui, cada cônjuge conserva a administração, fruição e disposição exclusiva dos seus bens, adquiridos antes ou depois do casamento. Para aplicá-lo, é indispensável o pacto antenupcial.
É o regime preferido em casamentos entre pessoas com elevado patrimônio, filhos de relações anteriores ou em segundas núpcias, pois preserva a individualidade patrimonial.
A separação total evita a comunhão patrimonial, mas não exime o casal dos deveres conjugais estabelecidos pelo art. 1.566 do Código Civil.
5 | Separação Obrigatória de Bens
Determinado por imposição legal — e não por escolha dos cônjuges —, esse regime aplica-se a casos como:
- Pessoas com mais de 70 anos (art. 1.641, II, do Código Civil);
- Casamentos com causas suspensivas;
- Casamentos de menores sem autorização judicial.
Embora chamado de “separação obrigatória”, o STF já decidiu que, havendo aquisição onerosa em comum, é possível reconhecer uma sociedade de fato, com partilha proporcional.
6 | Participação Final nos Aquestos
É um regime híbrido, raramente utilizado, pois exige pacto antenupcial e detalhamento técnico. Durante o casamento, os bens permanecem separados; apenas na dissolução é feita a partilha do que foi adquirido onerosamente durante a união.
É comum em países da Europa continental, mas ainda pouco difundido no Brasil devido à sua complexidade prática.
7 | E se não escolher nenhum regime?
Na ausência de pacto antenupcial, o Código Civil estabelece que o casal será automaticamente regido pela comunhão parcial de bens. Por isso, a escolha ativa é fundamental, inexistindo a hipótese de ausência de regime patrimonial na relação patrimonial.
8 | O Papel do Pacto Antenupcial
O pacto antenupcial é a ferramenta jurídica que permite ao casal definir, com liberdade, o regime de bens que regerá o casamento. Deve ser feito por escritura pública antes do casamento e registrado após a celebração.
Além de escolher entre os regimes disponíveis, o pacto pode conter cláusulas personalizadas, desde que não violem normas imperativas. É também uma forma de organizar, proteger e planejar o futuro patrimonial — especialmente em contextos empresariais, sucessórios ou familiares complexos.
9 | Conclusão — Planejar a Partilha é Honrar a União
O amor pode nascer do acaso, mas o patrimônio não deve viver à mercê da sorte. Ao escolher um regime de bens com atenção e consciência, o casal transforma o afeto em estabilidade, o impulso em ordem, e a paixão em projeto.
Casar não é apenas unir corpos e sonhos — é, também, pactuar responsabilidades. E nesse pacto, o Direito oferece os instrumentos necessários para que o amor não se perca no tribunal da incerteza.
Porque o que é seu deve permanecer seu — e o que é nosso, que seja fruto do acordo, não do improviso.